inter(e hiper?)texto

por t1una

recentemente, li uma nota sobre um escritor francês que estaria sendo acusado de plágio por ter utilizado a descrição de um hotel, contida na wikipédia, em sua produção. o escritor teria dito, em resposta, que essa gente não entendia nada de literatura e que a mistura de textos “reais” e ficcionais sempre foi uma prática literária.

de cara, podem-se tirar duas concluões: uma, que a produção do escritor francês deve ser ruim, na medida em que descrições não me agradam, ainda mais o que essa em questão promete (preconceito meu); outra, que, por outro lado, ele tem razão em sua justificativa.

esse caso me lembrou outro do início do ano, em que uma jovem escritora alemã, helene hegemann, teria incluído em seu romance parte de um outro romance, de um escritor alemão pouco conhecido. em sua defesa, a escritora afirmou que “O que fiz foi pôr o material extraído de outro contexto em nova perspectiva, estabelecer um diálogo.” e, ao que parece, numa citação ao cineasta jim jarmusch, “Não existe originalidade, só autenticidade”.

muito me surpreende que tenha existido tantas vozes contrárias aos argumentos e às práticas da jovem alemã, que demonstrou uma percepção muito maior que a dos senhores calvos que ocupam as cadeiras das universidades. sinceramente, em que sociedade essa gente vive? nunca ouviram música com sampler? se hoje crianças nascem sob a cultura do crtl+c/ctrl+v, é porque a indústria que fomentou o desenvolvimento dessa tecnologia basicamente empurrou tal cultura para nós. isso já acontecia no tempo do vídeo e fita cassetes e da fotocópia, porém, em proporções menores. o único entrave é que a indústria não contava que a receberíamos tão bem, desvinculando-se de seus ditames e secando suas fontes de renda. não pense que misturo as coisas ao incluir, na cultura do crtl+c/ctrl+v, o download gratuito de conteúdos artísticos na internet. se hoje manejamos com tanta desenvoltura o crtl+c/ctrl+v é devido à facilidade (e gratuitidade) com que tratamos e consumimos tais conteúdos.

no campo da literatura, isso já havia sido percebido por roland barthes, ainda na década de 1970, como se pode observar no ensaio da obra ao texto. nesse ensaio, barthes estabelece que a obra é tomada num processo de filiação e o escritor, considerado seu pai e proprietário. neste sentido, a sociedade postularia uma legalidade do escritor com a obra, os “direitos autorais”. ligada ao prazer, a obra é um objeto de consumo que, apesar do encanto proporcionado, não permite a re-escritura: é o prazer do consumo.

no outro lado, há o texto, cujo movimento é o da travessia. barthes trata o texto numa perspectiva lúdica, em que a lógica metonímica, ao constituir associações, contiguidades, remissões, coincide com uma libertação de energia simbólica e remete à descentralização e à abertura da linguagem. assim, o texto se caracteriza como plural, não somente no fato de ter vários sentidos, mas que realiza o plural do sentido. em outras palavras, etimologicamente, sendo o texto um tecido, seu caráter plural estaria nos significantes que o tecem, em que o leitor capta a multiplicidade, irredutível, que provém de substâncias e de planos heterogêneos. todos esses incidentes captados pelo leitor são parcialmente identificáveis, oriundos de códigos conhecidos, mas cuja combinação é única, que é passível de repetição somente como diferença. a leitura do texto, então, é marcada pela intertextualidade e orfandade, visto que se realiza sem a inscrição do pai, o escritor. dessa maneira, o texto tem a metáfora da rede, onde se estende sob efeito de uma combinatória, de uma sistemática. o texto pode ser lido sem a garantia de seu pai; a restituição do intertexto vem para abolir paradoxalmente a herança. ligado ao gozo (para barthes há distinção entre prazer e gozo), o texto filtra a obra do seu consumo e a recolhe como jogo, produção, prática. isso para (tentar) abolir a distância entre a escritura e a leitura, cujo afastamento é tradicional, não pela intensificação do leitor sobre a obra, mas ligando a ambos numa só e mesma prática significante.